Carolina Canteli 

Sua pesquisa relaciona dança, performance e artes da presença para cuidar, pertencer e como diz o nome de um dos seus trabalhos, mover duras certezas. Suas criações são ofertadas como presentes em meio ao cotidiano neoliberal, desejantes da revitalização da percepção, reposicionando a atenção aos detalhes e mobilizando forças não habituais, para tornar possível religar-se ao meio onde se vive. Em outras palavras, seu campo criativo está a serviço de re-sensibilizar, des-totalizar e criar com diferença onde a indeferença já se impregnou, especialmente no que diz respeito aos padrões de modo de vida urbano, notoriamente urbano sendo a paisagem e vida na cidade, mas também a dita rural, pois também ela foi modificada para sustentar o modo de vida atual urbanóide. Sim, a artista acredita que fazer urbanismo consciente é corporificar o lugar e fazer perguntas a ele, através da singularidade de cada qual na paisagem. Ser corpo-paisagem, em constante transformação e em diálogo e questão consigo e com seu meio

Carolina difunde através de ações performativas, palestras, textos e outros formatos, a fazeção de si e do entorno com maior plasticidade, usando da capacidade de dançar COM algo/alguém e COM um lugar/situação, para evitar a premissa totalizante de dançar O algo/alguém, O lugar/situação enquanto representação. Colocar-se COM, então, sugere questionar, tensionar e disputar hegemonias cristalizadas no corpo e na paisagem, a partir do reconhecimento de que em ambos, tudo aquilo que é dito como certo - e todas as dores que fazem padecer o corpo e a paisagem por conta dessas certezas, possa ser questionado enquanto ética, a fim de poder praticar maior mobilidade, maleabilidade e mutabilidade, ao contrário do que o projeto da modernidade conforma e informa.  Estar COM é clamar pelo direito, por exemplo, de pensar arquitetura e urbanismo, não atribuindo a esses termos somente àquilo que comumente é chamado de construir um imóvel. Estar COM é poder conjugar os verbos arquitetar, urbanizar e construir, a partir de seres móveis e movências de arquiteturas-gentes-coisas que dançam, quando em estado de intervenção urbana, ou quando estes forjam uma escultura de arte na rua. Estar COM é criar gestos poéticos, artísticos e éticos, com a intenção de tornar o espaço público, justamente por negar a globalização impessoal imposta a maior parte dos lugares e torná-los de fato públicos, por sugerir vivência, pertencimento e intimidade. E por sua vez, estar COM é perceber que o corpo que dança, nunca será só um indivíduo movendo-se livremente num chão liso e branco, mas sim uma somatória de todo um mundo que o limita, forma, molda e constitui, todo um mundo que não deveria ser um mundo só. Estar COM é assumir toda marca que algum lugar, memória, experiência sulcou e continua sulcando diariamente, ainda que também estar COM seja perceber tudo aquilo que escapa e todos os registros que são rastros.  

Para tal, a poesia é sua metodologia, seja ela escrita, gestual ou verbal. É através da poesia que é possível tecer relações singulares e únicas, é pela poesia que se pode ironizar, brincar, erotizar, pois sabe que a beleza sem o senso de luta e a luta sem o senso de movimento, não há caminhos. Para não operar somente diante de regras, a poesia surge para fazer sonhar, criticar e aterrar, ao mesmo tempo. Com a poesia é possível fazer buracos no que é concreto. Com a poesia se tem ritmo, se brinca com a sonoridade, com a cadência, com a ludicidade e pode-se, então, enfrentar mais uma vez a dureza das coisas.  Além disso, o estudo da poesia não viria sem o aprofundamento de estudos da arquitetura, urbanismo, geografia, sociologia e política enquanto saberes advindos de intelectuais, mas também como saberes corporificados e empíricos - há muito que um corpo-paisagem sabe enquanto um notório saber em sua própria experiência de vida e daquilo se pode escutar de outras e outros em troca

E por fim, mas não menos importante, o estudo da Composição em Tempo Real, um modo de estudo da presença desenvolvido dentro do campo da arte perfomativa que veio como resposta à recusa da ideia de improvisação como instantâneo ou dança da imediatez e "sem pensamento", a artista que depois de oito anos formada em Dança - Artes pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP - BR) e que já atuava profissionalmente na cidade de São Paulo, foi estudar a C.T.R vivida e teorizada a partir da sua formação no Programa de Avançado de Criação em Artes Performativas (PACAP 5 - PT). Pela sua experiência, buscou a aplicação deste método somado a outras teorias desviantes e aos estudos do tempo não cronológico baseados em saberes da latinoamerica, saberes populares, de referências afro-brasileiras, feministas, originárias e da teoria queer, a fim de aplicar também a C.T.R a sua investigação e no pensamento fundante de fazer perguntas dos seus trabalhos, sem que essa metodologia fosse usada como verdade absoluta e fosse uma ferramenta universilazante perante às outras que fundaram a sua trajetória

Carolina Canteli nasceu em 1992, em São Bernardo do Campo, SP - Brasil. 

É Graduada (2013) e Licenciada (2014) em Dança - Artes pela Universidade Estadual de Campinas - Brasil. Depois de 8 anos de experiência profissional na cidade de São Paulo, decidiu continuar a sua formação no Programa Avançado de Criação em Artes Performativas (PACAP 5) com curadoria de João Fiadeiro junto a Márcia Lança, Carolina Campos e Daniel Pizamiglio, em Portugal. 

Durante a trajetória na Universidade Pública e depois dela, atuou em espaços culturais e instituições, quando no Brasil, tendo sido representante discente na Congregação de Curso durante a Graduação em Dança na Universidade; foi estagiária de um dos maiores programa de financiamento do Brasil para a grupos de dança com pesquisa continuada, o Fomento à Dança da Cidade de São Paulo; assistiu Ana Francisca Ponzio no projeto do Mapa da Dança da Cidade de São Paulo; participou do projeto piloto da equipe de gestão do Centro de Referência da Dança (CRDSP), instituição pública de cessão de salas de ensaio/aula, apresentações e oficinas; de forma que o envolvimento como artista e como gestora, estavam indissociados da sua investigação. Quando em Portugal, aliou-se ao espaço PISCINA, coletivo de artistas autônomos que promove encontros, workshops e partilhas de processos, numa pequena gestão compartilhada, além da gestão do espaço de sala de ensaio para os próprios artistas do coletivo e artistas nacionais e internacionais em residências artísticas.

Nesse fluxo entre Brasil e Portugal, galgou e valorou sua trajetória com a dança enquanto campo ampliado, do fazer arte de, para e com a rua e suas cidadãs e cidadãos, do atuar na gestão, produção e criação como parte de uma unidade do fazer arte e o escrever sobre, com e através da arte passou a ser uma atividade de reflexão, poesia e de afirmação

Tendo já realizado a performance O QUE FAZER DAQUI PARA TRÁS_IN SITU na MITsp com orientação de João Fiadeiro e Carolina Campos (2020), voltou a fazê-lo na sua versão expandida no Espaço da Penha (2021), dentro do contexto do PACAP 5. No mesmo ano esteve como performer do R|EXISTÊNCIA Dispositivo B - estudos em Composição em Tempo Real no TBA (2021) e também iniciou o processo de criação com o trabalho mover a dura certeza, o qual realizou mostra informal em BORA e PACAP 5 - Bloco II, no Fórum Dança (2022) e, posteriormente apresentou o trabalho no Festival Internacional de Danza Contemporánea de Uruguay FIDCU X (2023). Desenvolveu também o aquilo que sei e não sei sobre mover a dura certeza em residência artística no Teatro Malaposta - “A Pele Nómada: 30 anos dos LAB/Projectos em Movimento" de João Fiadeiro, com apoio do Fórum Dança (2023), o qual também serviu enquanto material videográfico para o próximo documentário da carreira de Fiadeiro.  aquilo que sei e não sei sobre mover a dura certeza, é uma versão indoor de mover a dura certeza, que também foi performado no contexto do NADA NA PISICINA 1# , no Espaço da Penha (2023).

Ainda em Portugal, participou como interlocução artística e performer em M, de Daniel Pizamiglio e foi performer em de bOca Cheia de Julia Salem, ambos os projetos com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian (2023/24). Já seu projeto autoral vaca encontra o rio, teve lugar na residência de escrita em  Cortiço Artist Residency, no Alentejo - Portugal (2023), na Residência Artística Rural A Casa Vella, na Galícia - Espanha, com apoio do IBERESCENA e Xunta de Galicia (2022), para realizar pesquisa de metodologia. Também residência artística de VACA no Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo, no Brasil (2018/17). Em ambos as residências de VACA e vaca encontra o rio, a artista investigou modos de escrita, fotografia analógica, pensamento acerca do movimento coreográfico e videográfico.

Divide direção artística com Everton Ferreira e Iolanda Sinatra no Grupo MEIO, com o qual a artista desenvolve a pesquisa sobre corpos-paisagens em coletivo, junto também a Maria Basulto que atua enquanto performer.  Com MEIO, ganhou o 33° e 28º edital de Programa Municipal de Fomento à Dança da cidade de São Paulo, com os projetos: Corpos-paisagens e o tempo espiralar (2023) e Corpos-paisagens: corpos que atravessam os fluxos da cidade (2021). Entre as criações que assinou enquanto direção artística, destacam-se: MATÉRIAS MOVEDIÇAS - ação acoplamento, uma série episódica audiovisual de intervenção urbana para quatro marcos históricos da cidade de São Paulo: Parque da Independência, Estação da Luz, Pátio do Colégio e Biblioteca Mário de Andrade; MATÉRIAS MOVEDIÇAS, um vídeo-dança-ficção; 180, uma intervenção urbana para pontos nodais da cidade; Babilônia, (apoiado pelo Edital Proac 04/2021 - DANÇA / PRODUÇÃO) e que ganhou Prêmio Denilto Gomes de Dança 2022 - categoria pesquisa de corpo. O grupo também ganhou a 1ª Edição do Prêmio Aldir Blanc de Apoio a Cultura na Cidade de São Paulo e o Edital Proac Primeiras Obras de Dança 2015.

Já realizou orientação coreográfica no filme O HOMEM SEM UM NOME (2020) de Ricardo Gali, diretor da Cia. Perversos Polimorfos. Nesta companhia foi performer e criadora de várias obras desde 2015, uma delas SHINE (2018-17), que tornou-se o videodança SOMBRAS, presente na quadrienal de Praga (2019). Realizou com a Cia. o projeto PÓS-SACRE, com aporte do PROAC EXPRESSO LEI ALDIR BLANC N°48 /2020 e criou uma peça solo para PÓS-SACRE pelo 28º Edital de Fomento à Dança. Atualmente, com a Cia. colabora na criação do trabalho COMUNIDADE, contemplado pelo 33° Edital do Programa Municipal de Fomento à Dança da cidade de São Paulo. Também já colaborou enquanto artista convidada na iNSAiO Cia. de Arte, performando os trabalhos: ATO INFINITO, ABISSAL e NOVOS EXPERIMENTOS. 

Como performer e pesquisadora em dança participou em Construindo Beethoven - episódio sete: o gesto, minissérie documental apoiado pela cultura artística e realizado pela Universidade de São Paulo - USP (2020).  Já na interface entre dança e artes visuais, realizou: ativação de TOTEM, de Ludmila Porto na Exposição 6a Edição Prêmio EDP nas Artes, no Tomie Ohtake (2018); Ação para Corpos Ressonantes, performance site specific de Juliana Moraes para obra da artista visual Ana Maria Tavares (2017); Eu Quero Ganhar Flores – dança no MIS (2017) e ACESSO DE SACADAS DE ACESSO DE SACADAS- site-specific de dança CCSP (2015), ambos dirigidos por Gabriel Tolgyesi. Também colabora com FTMM desde 2019, e sua atuação mais recente com Felipe Teixeira e Mariana Molinos foi no projeto Materiais Para Intimidades Extremas contemplado pela 34ª edição do Programa Municipal de Fomento à Dança Para Cidade de São Paulo, na conversa sobre Corpo e Espaço, cuja fala de Carolina explora a pesquisa desta acerca de corpos-paisagens, poesia e outras perguntas na relação entre a intervenção urbana 180 do Grupo MEIO e MELTDOWN.